Na próxima quarta-feira, 12 de Dezembro, terá lugar na Faculdade de Filosofia, às 18h, o terceiro encontro do Seminário ‘estes dualismos que nos perseguem’. Artur Galvão, docente do curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia abordará o dualismo racional-irracional. O texto seguinte pretende lançar o debate.
Os antigos gregos concebiam o ser humano enquanto «animal racional» devido à sua capacidade linguística e de decisão. Desse modo, a razão era o sinal da distinção, glória e superioridade do homo sapiens face aos restantes seres vivos. A racionalidade seria o uso apropriado da razão para calcular o melhor modo de actuar, ou seja, procurar boas razões para decidir (desde a escolha da profissão ou da namorada até à escolha da teoria a defender ou da sentença a dar no tribunal).
Porém, um simples olhar sobre a nossa vida – ou sobre a sociedade em geral – leva-nos à constatação de que uma grande parte das opções é realizada desconhecendo muitas e boas razões que, caso as conhecêssemos, certamente nos levariam a outra decisão ou que contrariam deliberadamente as boas razões que possuímos. Pensemos, para o primeiro caso, em alguém que escolhe um determinado curso universitário e depois percebe não ter feito a melhor escolha e, para o segundo, num fumador que tem todas as razões para deixar de fumar e, mesmo assim, não o faz.
Podemos, então, perguntar: Será a racionalidade um mero cálculo? Para que serve? Terá justificação? Será o homem racional mais feliz que o irracional?
Estas questões levam-nos directamente ao problema da irracionalidade. O termo «irracional» tem um cunho marcadamente pejorativo, sendo, geralmente, pensado como a antítese do racional. Por isso, não é alvo de muita reflexão ou interesse. No entanto, a desvalorização do irracional parece perder todo o seu sentido, quando constatamos as possibilidades oferecidas por mecanismos de decisão não-racionais, tais como as lotarias ou sorteios. No futebol sorteia-se a escolha de campo, no tribunal os juizes sorteiam-se quem fica com o processo A e quem fica com o B, na escola o aluno sorteia uma das opções do teste de escolha múltipla.
Consequentemente: Será o caracoroismo uma forma de decisão pior do que a procura de boas razões? Fará sentido manter o dualismo racional-irracional? E o dualismo razão-sentimento?
5 comentários:
Reflexão sobre a irracionalidade do acto em si do caracroismo
-------------------------------------
A reflexão que vou elaborar em torno da racionalidade-irracionalidade parte das sínteses das minhas posições no fórum da disciplina de epistemologia.
Racional poderá ser assumir atitudes com sentido; atingir objectivos práticos… descobrir conexões entre meios e fins. Se formos racionais podemos descobrir verdades, enquanto se não formos racionais não temos possibilidades reais de descobrir verdades, a não ser por sorte.
Vou partir do pressuposto que ser racional é escolher algo com sentido. Ora, se lançar a moeda ao ar, eu não escolho com sentido… pois o resultado vai ser um mero acaso. Deste modo, laçar a moeda ao ar é absurdo, uma vez que não faço uma escolha com sentido, ou seja racional. Mas o que é sentido? Auschwitz parece que foi construída racionalmente, mas terá sentido? mmm… parece que não. Então talvez seja melhor a definição de racionalidade como a procura de sentido na busca do melhor bem.
Quanto ao caracroicismo poderá levantar vários problemas… que critérios temos para dizer que lançar a moeda ao ar é ou não racional? Se não temos critérios podemos chegar a este absurdo: “Imaginemos que estou com uma incerteza… não sei se Deus existe ou não existe… já tentei todos os esforços a nível racional, mas não consegui de qualquer modo saber se Deus existe ou não existe. Mas, eu quero realmente saber se Deus existe ou não existe. Então, de forma a chegar finalmente a uma conclusão sobre a existência de Deus, (e do mesmo modo para reduzir tempo que gastaria a raciocinar mais sobre a existência ou não de Deus), vou lançar uma moeda ao ar para assim encontrar uma solução… A “cara” é Deus existe… A “croa” é Deus não existe…Lancei neste momento a moeda ao ar… a moeda caiu em cima da mesa, e a “croa” ficou voltada para cima. Logo, se me saiu “croa”, então Deus não existe. A filosofia do caracroismo vista sem critério terá algum fundamento, sentido, lógica? Mmmmm… não me parece…
O maravilhoso valor da existência não perderia todo o seu sentido se nos guiássemos pela questão da moeda ao ar? Ora vejamos… quando acordo pergunto: vou levantar-me ou vou continuar a dormir?… lanço a moeda ao ar e sigo a sugestão… E continuo o resto do dia todo a lançar a moeda ao ar como solução para os meus dilemas. Como por exemplo: lavo os dentes ou não? Tomo o pequeno almoço ou não? Vou para a escola ou não? Vou faltar às aulas ou não? Etc…Como “grande” solução para estes dilemas surge de uma forma simples, fácil, e económica o facto de lançar a moeda ao ar. Esta estratégia (caindo ainda mais no absurdo) poderá também nos ajudar nos problemas mais existenciais… vou casar ou vou ser padre? Namorar com esta ou aquela? Seguir uma ou outra congregação? Lanço a moeda ao ar… e sei imediatamente o caminho a traçar para a minha vida. Que ridículo… não é?
Mais um exemplo: Imaginemos que “Pai Natal” só dá presentes a quem se porta bem, e castiga quem se porta mal. O nosso aprendiz de filósofo não se comportou muito bem este ano, e por isso para o castigar o “Pai Natal” colocou-o dentro de uma sala sombria. Não existe nenhuma saída naquela sala, a não ser 2 portas. Sem que o aprendiz de filósofo saiba, o “Pai Natal” designou que se se abrisse a porta “A” esta conduzia à liberdade, à vida, à felicidade; por outro lado, se se abrisse a porta “B” conduzia à maldição, à morte, à infelicidade. O aprendiz de filósofo apenas poderá escolher uma das portas para sair daquela sala (daquele dilema). Contudo, o aprendiz de filósofo não tem qualquer pista concreta que o ajudasse a perceber onde é que se encontra o “maior bem”, não faz a mínima ideia que porta abrir. Sem saber o que fazer, pegou numa moeda do seu bolso, esclarecendo que se saísse “Cara” iria abrir a porta “A”, se saísse “Coroa” iria abrir a porta “B”. Lançou a moeda ao ar e saiu “Coroa”… imediatamente o aprendiz de filosofo correu para abrir a porta “B”. Portanto, o aprendiz de filósofo foi conduzido para a maldição, para a morte e para a infelicidade.
No exemplo do aprendiz de filosofia, como não tem outra informação suficiente para escolher a melhor das duas portas, poderá agir racionalmente ao escolher lançar a moeda ao ar que deste modo poupava tempo e esforço inútil. Mas, a sugestão que a moeda indica é irracional, pois a moeda não tem a faculdade da razão para dizer que o melhor caminho é seguir a porta A ou B. Portanto, o acto de decidir usar mecanismos aleatórios pode não ser irracional, quando raciocinamos que a melhor opção é usar um mecanismo aleatório. Mas, o processo que permite chegar a um resultado parece-me irracional, uma vez que o sujeito é totalmente passivo, não usa a faculdade da razão para sair o lado A ou B da moeda, e consequentemente abrir a porta A ou B. Logo, escolher o mecanismo aleatório pode não ser irracional, mas a indicação do mecanismo aleatório é irracional. Então, poderá ser isto um uso de mecanismos irracionais (como lançar a moeda ao ar) a favor da racionalidade (como o facto de escolher lançar a moeda ao ar poupando tempo e esforço inútil). Agora, pelo facto de usarmos este tipo de racionalidade (ao escolhermos que o melhor é lançar a moeda ao ar), não está intimamente relacionado com resultados racionais; pois, como já disse, o aprendiz de filósofo pode ser racional ao escolher que o melhor é lançar a moeda ao ar, mas o resultado ou a sugestão que o acto da moeda ao ar nos dá é irracional. Assim, por vezes (como é no caso do aprendiz de filosofo) a racionalidade e o seu uso poderá conduzir-nos a resultados irracionais.
--
DomingosFaria.net
Então... e se o aprendiz de filósofo decidisse escolher o contrário do resultado que saísse? Isto é, se sair A, vou para B, e se sair B, vou para A. A escolha dele foi racional, ou irracional? Qualquer que seja o resultado do caracoroismo, é sempre o aprendiz que decide com base naquilo que pensa ser a melhor decisão. Ao sublinhar o facto do aprendiz pensar, significa que a sua decisão é sempre racional. O que seria, então, uma decisão irracional? Eu diria que seria o sujeito decidir "sem pensar". Quando se tem a certeza de que se está a pensar ou não?
Bom, por outro lado, não sei se estou de acordo com os problemas sérios levantados pelo caracoroismo no teu exemplo da existência ou não de Deus. Só o facto de procurar a solução para a existência de Deus numa probabilidade demonstra que o sujeito não acredita nessa existência, porque essa depende mais de uma experiência concreta do que de um factor aleatório. Logo, não seria de supôr que o teu exemplo resultasse em sair cara, em vez de ter saído coroa. Não quero com isto dizer que acreditas na "inexistência" de Deus, talvez seja exactamente o contrário, mas claramente, o teu objectivo era que saísse coroa, caso contrário, o exemplo não funcionaria. Neste sentido, diria que a moeda no teu exemplo está viciada! :) Será que pensaste bem nesse exemplo quando decidiste ser esse o exemplo que demonstrasse os problemas levantados pelo caracoroismo? Se não pensaste, quer isso dizer que foi uma decisão irracional? Não creio ... caso contrário não teria lógica elaborar um exemplo para chegar a uma conclusão.
O caracroismo dado no exemplo do post tem - para mim - uma outra interpretação. Existem diversos tipos de decisões que se confiam à aleatoriedade de um certo processo de selecção porque é difícil estabelecer critérios na procura de boas razões. Não é fácil dissociar na sociedade hodierna "procura de boas razões" e "procura do próprio interesse". Será mais certo que num sistema de fé, tal dissociação seja mais provável, por exemplo, no Cristianismo procura-se o que interessa ao outro, tendo, para isso, que sair de mim mesmo, criando o espaço necessário para que juntos procuremos as boas razões. Por outro lado, o aspecto positivo dos "mecanismos de decisão não-racionais" é de nos educar para a abertura à novidade. O aspecto negativo seria o da dependância excessiva das nossas decisões com base numa probabilidade, tal como nos vários bons exemplos do levantar/dormir, lavar ou não os dentes, no comentário acima.
Por fim, se o sentimento é irracional, não sei, mas sem ele, haverá razão que sobreviva? Não seremos nós um todo de razão e emoção? Na minha opinião, sentimento ou emoção não são racionais, mas também não são irracionais. Juntos constituem o ser relacional que precisamos de descobrir que somos...
O amor é irracional.
O interesse é racional.
Dito isto não há racional sem irracional nem vice-versa, uma vez que se definem em relação um ao outro.
O homem através do (ir)racional e do irracional tende naturalmente para a busca do prazer e fuga à dor. É-lhe inato. A razão, emoção, sensação são apenas instrumentos que lhe são facultados para cegamente ultrapassar o momento. O ser é espontâneo e, consequentemente, irracional. Quantas e quantas vezes, após um trabalho intensivo e inconclusivo de suposta (ir)racionalidade, partimos para a acção e, no final, o objectivo sai falhado concluindo que afinal de nada serviu a nossa reflexão? Incontáveis vezes que agimos irracionalmente e temos ganhos admiráveis. Creio que uma definição de (ir)racional e irracional passará por uma associação aos conceitos de imediatez ou mediatez de uma possível decisão. Agir de forma (ir)racional será o de reunir dados referentes ao contexto/cena actual, ponderar pós e contras e posteriormente agir. O oposto será o irracional. Os resultados serão avaliados positivamente ou negativamente independentemente do processo "escolhido" para a acção. O (ir)acional e irracional como o resultado de duas diferentes abordagens cognitivas. O irracional não é de todo um processo não elaborado. A diferença jaz na imediatibilidade, na equação que determina o tempo de acção.
Por último, em relação ao caracoroismo; a sorte em nada tem a ver com o irracional, é o atirar a moeda ao ar visando a fuga a uma posição e a uma responsabilidade que nos foi imcumbida. A sorte é um pormenor caricato da nossa existência e por vezes usado como regra ou lei que incautamente nos rege. A sorte é um curioso achado humano cujas leis estão muito aquém de uma tomada de decisão/ agir. Agir envolve pensar/cognição (i) mediatatamente. (outro dualismo)
Dominique Machado - dominicles@gmail.com
Enviar um comentário