Dualismo: Homem-Mulher
Na próxima quarta-feira, 9 de Abril, terá lugar na Faculdade de Filosofia, das 18h às 19h, um debate sobre o dualismo homem-mulher, apresentado pela Doutora Maria de Fátima Lobo, docente de Psicologia da Faculdade de Filosofia. O seguinte texto lança desde já o debate.
A mulher portuguesa tem vindo a conquistar progressivamente o seu espaço de intervenção. Ocupa, actualmente, sectores profissionais tradicionalmente masculinos – Saúde, Ensino Superior, Justiça (Guinote, P. J. A., 2003) -, mas continua a apresentar deficit de participação na propriedade do capital, na administração de empresas transnacionais, nos sectores estratégicos, nas instância de concertação mundial e nas decisões estratégicas político-económico-militar (Silva, M., 2003; Hofstede, G., 1997), nem sempre a comunidade científica analisa com imparcialidade o desempenho feminino (Esteves, J., 2003) e não são implementadas medida activas de incentivo à participação nos órgãos de poder político (Viegas, J. M. L. & Faria, S., 1999). Contudo, reportando-nos a dados de 2005, os indicadores estatísticos apontam para níveis de escolarização femininos mais elevados: entre os 20 e os 24 anos, 56% das mulheres e 40,4% dos homens completaram o ensino secundário; no mesmo ano, 30,1% das mulheres entre os 18 e os 24 anos e 46,7% dos homens com a mesma idade, abandonaram a escola e, no ano lectivo 2003-2004, cerca de 66% dos diplomados do ensino superior eram mulheres.
Na próxima quarta-feira, 9 de Abril, terá lugar na Faculdade de Filosofia, das 18h às 19h, um debate sobre o dualismo homem-mulher, apresentado pela Doutora Maria de Fátima Lobo, docente de Psicologia da Faculdade de Filosofia. O seguinte texto lança desde já o debate.
A mulher portuguesa tem vindo a conquistar progressivamente o seu espaço de intervenção. Ocupa, actualmente, sectores profissionais tradicionalmente masculinos – Saúde, Ensino Superior, Justiça (Guinote, P. J. A., 2003) -, mas continua a apresentar deficit de participação na propriedade do capital, na administração de empresas transnacionais, nos sectores estratégicos, nas instância de concertação mundial e nas decisões estratégicas político-económico-militar (Silva, M., 2003; Hofstede, G., 1997), nem sempre a comunidade científica analisa com imparcialidade o desempenho feminino (Esteves, J., 2003) e não são implementadas medida activas de incentivo à participação nos órgãos de poder político (Viegas, J. M. L. & Faria, S., 1999). Contudo, reportando-nos a dados de 2005, os indicadores estatísticos apontam para níveis de escolarização femininos mais elevados: entre os 20 e os 24 anos, 56% das mulheres e 40,4% dos homens completaram o ensino secundário; no mesmo ano, 30,1% das mulheres entre os 18 e os 24 anos e 46,7% dos homens com a mesma idade, abandonaram a escola e, no ano lectivo 2003-2004, cerca de 66% dos diplomados do ensino superior eram mulheres.
Embora os valores da participação política feminina sejam, ainda, bastante modestos, têm vindo a aumentar significativamente se consideramos que apenas em 1931 foi concedido direito de voto às mulheres portuguesas, desde que possuíssem formação universitária ou conclusão do ensino secundário; a Constituição de 1933 embora consagrando a igualdade dos cidadãos perante a lei estabelecia excepções de natureza e de interesses familiares para as mulheres; as mulheres, em número de três, tiveram acesso pela primeira vez à Assembleia da República no ano de 1935 e, apenas, em 1971, uma mulher foi integrada no Governo da República - Maria Teresa Lobo, Subsecretária de Estado da Segurança Social-. A situação modificou-se significativamente após 1974. Contudo, a alta Magistratura da Nação foi desempenhada sempre por homens, o cargo de Primeiro Ministro foi ocupado, apenas, uma vez por uma mulher, durante um período limitado - Maria de Lurdes Pintassilgo -, nenhuma mulher ocupa lugar de chefia nos partidos políticos representados na Assembleia da República e segundo o relatório efectuado em 1997, apenas 26,9 % do total das funções autárquicas ao nível municipal são desempenhadas por mulheres (Saint-Maurice, et. al., 1997: 4); o grupo etário mais numeroso situa-se entre os 40 e os 49 anos, com habilitações literárias correspondentes ao bacharelato (28%) e licenciatura (31%), são mulheres activas profissionalmente e, predominantemente, trabalhadoras por conta de outrem; as formações político-partidárias raramente apresentam uma mulher para cabeça de lista, sendo estas colocadas, quase sempre, em posições secundárias e muitas vezes em situação não elegível. Existe, portanto, uma razão imediata que pode ser interpretada à luz das dinâmicas partidárias.
José Pacheco Pereira num artigo de opinião (Público, 2.02.06: 7) identifica um conjunto de técnicas de filiação - «Havia casos em que os militante nem sequer existiam, eram fantasmas. Moravam todos numa única casa, para terem uma concentração numa secção quando era útil em termos de sindicato de voto ganhar as eleições. Falava-se de um talho, ou de um número numa rua que era um tapume, e onde moravam dezenas de militantes» (Pereira, J. Pacheco, 2006: 7) -, de estratégias para ganhar eleições no interior dos partidos -«O controlo dos cadernos eleitorais e de registos de filiação, das listas de mailing e outras, eram essenciais para manipular eleições» (Pereira, J. Pacheco, 2006: 7-, e de práticas corporativas que acentuam o proteccionismo de grupos restritos - «Esperava-se que actuasse da melhor maneira para gerir as carreiras políticas que dele dependiam, que alargasse o campo da empregabilidade para cada um e sua família, fizesse um upgrade dos empregos e, em tempos infaustos, que não os perdesse. Esperava-se que fosse o chefe do sindicato de dentro, não o interprete das esperanças de fora» (Pereira, J. Pacheco, 2006: 7) -. As lógicas partidárias entregues, quase sempre, a minorias de agentes locais estrategicamente posicionados para mutuamente se protegerem, são obstáculos estruturais objectivos não só à participação política feminina como a outros agentes destabilizadores do status quo.
Se acrescentarmos a estes factores, a estrutura familiar, a partilha dos trabalhos domésticos (Perista, Heloísa, 2002), o mercado de trabalho, as políticas sociais de apoio à família, os horários das reuniões dos partidos políticos, entre outros, compreender-se-á que a questão da participação política feminina constitui um dos problemas centrais da sociedade actual, principalmente porque através dele, enquanto factor indiciador, é possível interpretar a estrutura social, familiar, a democracia, a exclusão social, os sensores éticos, os sistemas de crenças e de valores, as identidades, as políticas sociais de apoio à família, os sistemas educativos, os modelos científicos, os enquadramentos religiosos e a vitalidade das instituições.
Cada época constrói o seu sistema de representações, de signos e de imagens. Coexistem várias construções da feminilidade, construções acumuladas ao longo das diferentes épocas. Até ao século XIX foram «produzidas por homens. As mulheres não se representavam a si próprias. Eram representadas» (Duby, G., 1992: 14). O masculino assume o poder de representar e de definir. O feminino e a sua identidade são definidos de modo diferido. As mulheres são entidades ausentes da sua própria definição e alheias aos espaços onde os homens as definem.
A construção dos espaços e da organização social implícita faz parte do poder masculino de representar e de definir. Georges Duby (1992), através da análise retrospectiva das «Imagens da Mulher», considera que estas «ficaram reduzidas a uma posição marginal. Em todos os momentos das sua história, a nossa sociedade, como provavelmente todas as sociedades do mundo, impunha-lhes que contribuíssem para os atractivos do lar, trabalhando para o ornamentar. Os ornamentos do espaço doméstico, assim como os do corpo, sempre foram competência da mulher» (Duby, G., 1992: 14). O espaço, enquanto entidade física e representacional, constituiu-se, ao longo do tempo histórico, como categoria social. Os espaços deixaram de ser neutros: espaços femininos e espaços masculinos. O espaço feminino é interior, o espaço masculino é exterior (Lobo, Fátima, 2005; Hofstede, G., 1997: 54).
O espaço não possui, apenas, extensão; possui, também, significação. Georges Duby afirma: «Até uma época muito recente, a burguesia comprazia-se em ver as mulheres preencherem a sua actividade interessando-se pela aguarela, do mesmo modo que tocavam piano para repouso e orgulho de seus pais e de seus maridos. Mas se uma delas decidisse ir mais longe e se, transgredindo as proibições, conseguisse aproximar-se das altas esferas da verdadeira criação, era apontada a dedo, denunciada como excêntrica» (Duby, G., 1992: 17). A excentricidade era aferida a partir do grau de afastamento do centro do espaço feminino que, por sua vez, estava indexado a um conceito de família. A categoria meta-social suporta a diferenciação de papéis.
Estabelecem-se consensos, mas se o consenso no século XIX se estabeleceu em torno do «ideal feminino: a mulher burguesa no lar» (Higonnet, A., 1992: 140), se entre os séculos XVI-XVIII, o arquétipo de mulher concilia «o mundo cristão e o mundo natural, o inteligível e o sensível. Idealização, depuração da matéria do corpo (…) a forma sublimada de uma mulher perfeitíssima remete o invólucro carnal para a sua essência espiritual» (Cornette, Joel, 1992: 108), na Idade Média, se enaltece o amor cortês, a sedução, a intimidade profana, a dor, o pudor, a fadiga e o segredo e se assume o arquétipo de Eva, «que não soube resistir à serpente, mas consegue em compensação, tornar-se irresistível aos olhos dos seu companheiro» (Frugoni, Chiara, 1992: 83) e, na mitologia pagã, as «representações tentam reduzi-la aos seus menores denominadores comuns: a procriação, a conservação, o prazer» (Rouche, Michel, 1992: 36).
Permanecerá, a mulher do século XXI, vinculada à ideia de companheira nos jogos eróticos, mãe protectora e consoladora, subalterna, submissa (Duby, G., 1992: 18-19), doméstica, fada do lar, ou a situação da mulher do século XXI é mais complexa, porque se divide pela profissão, pela maternidade, pelas novas representações de prazer e desempenho sexual, pelo trabalho doméstico, pela educação dos descendentes e apoio aos ascendentes, pelas exigência de beleza, da moda, de vida saudável, de aparência e até de linguagens?
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