quarta-feira, 5 de dezembro de 2007

Racional-Irracional

Na próxima quarta-feira, 12 de Dezembro, terá lugar na Faculdade de Filosofia, às 18h, o terceiro encontro do Seminário ‘estes dualismos que nos perseguem’. Artur Galvão, docente do curso de Filosofia da Faculdade de Filosofia abordará o dualismo racional-irracional. O texto seguinte pretende lançar o debate.


Os antigos gregos concebiam o ser humano enquanto «animal racional» devido à sua capacidade linguística e de decisão. Desse modo, a razão era o sinal da distinção, glória e superioridade do homo sapiens face aos restantes seres vivos. A racionalidade seria o uso apropriado da razão para calcular o melhor modo de actuar, ou seja, procurar boas razões para decidir (desde a escolha da profissão ou da namorada até à escolha da teoria a defender ou da sentença a dar no tribunal).

Porém, um simples olhar sobre a nossa vida – ou sobre a sociedade em geral – leva-nos à constatação de que uma grande parte das opções é realizada desconhecendo muitas e boas razões que, caso as conhecêssemos, certamente nos levariam a outra decisão ou que contrariam deliberadamente as boas razões que possuímos. Pensemos, para o primeiro caso, em alguém que escolhe um determinado curso universitário e depois percebe não ter feito a melhor escolha e, para o segundo, num fumador que tem todas as razões para deixar de fumar e, mesmo assim, não o faz.

Podemos, então, perguntar: Será a racionalidade um mero cálculo? Para que serve? Terá justificação? Será o homem racional mais feliz que o irracional?

Estas questões levam-nos directamente ao problema da irracionalidade. O termo «irracional» tem um cunho marcadamente pejorativo, sendo, geralmente, pensado como a antítese do racional. Por isso, não é alvo de muita reflexão ou interesse. No entanto, a desvalorização do irracional parece perder todo o seu sentido, quando constatamos as possibilidades oferecidas por mecanismos de decisão não-racionais, tais como as lotarias ou sorteios. No futebol sorteia-se a escolha de campo, no tribunal os juizes sorteiam-se quem fica com o processo A e quem fica com o B, na escola o aluno sorteia uma das opções do teste de escolha múltipla.

Consequentemente: Será o caracoroismo uma forma de decisão pior do que a procura de boas razões? Fará sentido manter o dualismo racional-irracional? E o dualismo razão-sentimento?

dualismo verdade-mentira

“Grande parte das notícias são mentira” -
afirmou Pedro Cruz, da SIC, na Faculdade de Filosofia da Católica


O jornalista da SIC, Pedro Cruz, deteve-se na consideração das “meias-verdades” e das “mentiras piedosas” que proliferam no jornalismo, construídas na base do incontornável “eu tenho ouvisto dizer”.
Numa exposição marcada pela preocupação em situar o dualismo Verdade-Mentira na área da comunicação social este docente do Curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Filosofia apresentou com grande agilidade mental e discursiva as múltiplas faces deste problema.

No âmbito do Seminário “Estes dualismos que nos perseguem”, coube ontem (dia 28 de Novembro de 2007) a Pedro Cruz apresentar o par “Verdade-Mentira”, sublinhando as dificuldades em encontrar a verdade absoluta no seio de uma actividade tão susceptível ao predomínio das “opiniões” como é a do jornalismo.
Grande parte das notícias que passamos são mentira”, atira provocatoriamente Pedro Cruz. Porém, isto não torna os jornalistas mentirosos, uma vez que, “o jornalista está dependente de relatos e testemunhos, esses sim, muitas vezes, pouco verdadeiros”, explicou. “O jornalista tem de dar voz às pessoas”. E muitas vezes, estas preocupam-se sobretudo em protegerem-se, elaborando as versões que melhor salvaguardem os seus interesses. O jornalista tem de cultivar a prudência, pois movimenta-se frequentemente entre versões contraditórias de factos que não foram directamente presenciados senão pelos próprios envolvidos. Qual deles possui um olhar “mais” objectivo, “mais” verdadeiro? O jornalista sabe que não pode/deve “tomar partido”, e do ponto de vista deontológico tem de proteger as fontes, não pode divulgar as conversas em off the record. Mas também sabe que dá a cara, empresta a voz, intervém, observa, avalia, pondera… Que bom seria possuir “o olho de Deus”, quer dizer, o ponto de vista absoluto, a verdade única e total! Mas – suscitando em nós a reminiscência da sofística - este profissional remata: “a verdade é que não há uma verdade única e absoluta, não existe esse ‘olho de Deus’». Para o jornalista da SIC a verdade posta em obra nas notícias resulta sempre de conhecimentos, interpretações que as testemunhas fazem dos factos.
Então, lavam-se as mãos da verdade e da mentira como se tudo valesse o mesmo? Pedro Cruz tem consciência da imagem, hoje muito em voga, do jornalista “pingue-pongue”, oportunista, sem escrúpulos, capaz de instrumentalizar as situações para construir, também ele, “a versão” mais conveniente. Mas contesta - não é verdade que se possam medir por essa bitola todos os profissionais da comunicação. O “atestado de estupidez e idiotice que se passa aos jornalistas” aplica-se a alguns, mas não é a regra. Explica que é tão perniciosa essa imagem como a do estereótipo do jornalista arrogante, vaidoso e preguiçoso que absorve toda informação sem qualquer juízo crítico. Ora, não é, definitivamente, nesse paradigma que ele se move. Pelo contrário, a sua reserva crítica fazem-no recuar, ou não avançar com processos de cuja autenticidade duvida: “muitos casos estão parados nas redacções porque nos ‘cheiram a esturro’, não nos dão margem de confiança”, confidenciou. Uma questão de consciência e de formação; no fundo, isso é o essencial.
O diálogo com este jornalista, após a sua exposição, foi muito vivo e polémico, com o auditório esgrimindo pontos de vista que circulavam entre as esferas da comunicação, da filosofia, da psicologia, da análise cultural e sociológica.
A sala encheu-se de alunos e professores que saíram mais convictos e conscientes de como somos “perseguidos” por esta bipolar relação da verdade e mentira.
É com manifesta satisfação que se verifica que este Seminário, da iniciativa do Prof. Alfredo Dinis e inserido no plano de actividades do Centro de Estudos Filosóficos e Humanísticos da Faculdade de Filosofia, está a movimentar e a interessar a comunidade académica desta Faculdade. Pressentimos e auguramos que o debate ainda vai aquecer mais!

(Marisa Almeida, Sara Pinheiro (alunas) e Carlos Morais (docente)
(Gabinete de Comunicação e Imagem da Faculdade de Filosofia)

Dualismo corpo-alma: texto síntese do encontro


O dualismo corpo-alma tem uma origem mais filosófica que religiosa. No entanto, a tradição cristã incorporou este dualismo substancial na explicação da criação do ser humano e da sua natureza. A posição da Igreja Católica expressa em documentos conciliares e pontifícios consagra este dualismo ontológico. Precisaremos dele hoje?

O conceito substancialista de alma parece permitir-nos responder a três questões fundamentais sobre o ser humano:
1. O que dá vida a um mero conjunto de células dando-lhes a forma de corpo humano?
2.
O que distingue os seres humanos dos outros animais?
3.
O que permite acreditar na imortalidade?
Quanto à primeira questão, ela não se coloca nos nossos dias. A biologia dá-nos uma explicação suficiente dos mecanismos biológicos que tornam possível o nascimento dos corpos biológicos humanos e a sua persistência até à morte. O que dá forma humana ao corpo biológico é a experiência da relação interpessoal que se inicia logo no momento da concepção de um novo ser. Este carácter relacional do ser humano explica melhor a forma humana do seu corpo do que a infusão no momento da concepção de uma alma espiritual no substrato biológico concebido por um casal. O dualismo substancial enfrenta problemas de difícil solução e as tentativas de o salvar esbarram com dificuldades sem solução. Hoje há a tendência entre os filósofos e os teólogos cristãos de afirmarem a unidade de corpo e alma. Mas esta unidade ou é indissolúvel ou não. Se é indissolúvel, ao desfazer-se em cinza o corpo, deverá igualmente desfazer-se em cinza a alma. Se no momento da morte o corpo se desfaz mas não a alma, voltamos ao dualismo substancial que se pretendia superar.

Quanto à segunda questão, o conceito substancial de uma alma espiritual parece proporcionar uma resposta fácil. O ser humano é dotado de uma alma espiritual que o torna diferente dos outros animais. Para além de alguma confusão terminológica – ‘espírito’ parece identificar-se com ‘alma espiritual’, por exemplo -, esta solução enfrenta todas as dificuldades já atrás referidas. O que nos faz diferentes dos outros animais não poderá ser a qualidade das relações interpessoais e o seu carácter constitutivo do humano enquanto humano?

Finalmente, no que se refere à terceira questão, é ainda o carácter relacional do ser humano que o torna capaz de imortalidade. É a relação com um Deus imortal que assegura aos seres humanos a imortalidade. Neste sentido, não é necessária a existência no ser humano de uma substância espiritual.

Conclusão: o dualismo corpo-alma torna-se fundamental numa concepção substancialista do ser humano, mas não numa concepção relacional.

Alfredo Dinis,sj

quarta-feira, 21 de novembro de 2007

verdade-mentira

Na próxima quarta-feira, 28 de Novembro, terá lugar na Faculdade de Filosofia, às 18h, o segundo encontro do Seminário ‘estes dualismos que nos perseguem’. Pedro Cruz, jornalista da SIC e docente do curso de Ciências da Comunicação da Faculdade de Filosofia abordará o dualismo verdade-mentira. O texto seguinte pretende lançar desde já a discussão.

A VERDADE DA MENTIRA

Será a mentira uma meia verdade?
Será, uma meia verdade, mentira?
Será que «quem diz a verdade não merece castigo»?
Será que «com a verdade me enganas»?
Será que dizemos SEMPRE a verdade TODA?
E será que podemos, SEMPRE, dizer TODA A VERDADE?
Será que a verdade liberta? Ou oprime?
Será que a verdade ou a mentira depende de QUEM vê?
Será que depende de COMO se vê?
Será verdade que uma mentira tantas vezes repetida se torna, afinal, verdade?
Será mentira que a verdade não é, afinal, objectiva?
Será que a justiça, cega, alguma vez apura a verdade?
Será que não é melhor uma mentira piedosa a uma verdade dolorosa?
Será que gostamos realmente da verdade? Ou gostamos apenas da verdade que nos interessa?
Será que estamos dispostos a ouvir a verdade dos outros sobre nós?
Será que estamos dispostos a dizer a nossa verdade sobre os outros?

A resposta a estas e outras perguntas pode levar-nos a conclusões surpreendentes.

corpo-alma

No passado dia 14 teve lugar o primeiro encontro do Seminário ‘estes dualismos que nos perseguem’. Alfredo Dinis, Director da Faculdade de Filosofia e docente de Lógica e de Cristianismo e Cultura abordou o dualismo corpo-alma. Estiveram presentes 20 pessoas que consideraram ter sido o tempo disponível para debate muito insuficiente. O texto deste debate será brevemente colocado aqui. Entretanto, insere-se agora o texto que servirá de base ao próximo encontro, o que permitirá que o debate possa ter início desde já.

terça-feira, 30 de outubro de 2007

CORPO-ALMA

O primeiro encontro do Seminário estes dualismos que nos perseguem terá lugar no próximo dia 14 na Faculdade de Filosofia, das 18h às 19h. Corpo-alma é o primeiro dualismo em análise. Alfredo Dinis, que animará o debate em torno deste dualismo deixa aqui um texto de Joseph Ratzinger retirado da obra Introdução ao Cristianismo, que servirá de referência para a reflexão, e sobre o qual se poderão desde já tecer considerações neste blog, as quais serão tidas em conta durante o debate.

A concepção grega parte do princípio de que o ser humano é formado por duas substâncias originalmente estranhas entre si, sendo uma (o corpo) perecível e a outra (a alma) imperecível, de modo que esta última continua a existir independentemente de qualquer outro ser. Na realidade, só a separação do corpo, que lhe é estranho, abriria à alma a possibilidade de ser ela mesma. O raciocínio bíblico, pelo contrário, pressupõe a unidade indivisa do ser humano, tanto assim que a Bíblia nem tem uma palavra para designar apenas o corpo (separado e distinto da alma); por outro lado, o termo ‘alma’refere-se, na grande maioria dos casos, ao ser humano inteiro, tal como ele existe com a sua corporalidade (…)

A imortalidade não é fruto da evidente impossibilidade do ser indivisível para morrer, mas sim da acção salvadora do amante que tem o poder para o fazer: o ser humano já não pode findar totalmente, porque é conhecido e amado por Deus. Se todo o amor aspira à eternidade, o amor de Deus não só aspira a ela, como cria e é a eternidade (…)

Ao contrário da concepção dualista da imortalidade, que encontra a sua expressão no esquema grego do corpo e da alma, a fórmula bíblica da imortalidade pretende transmitir uma ideia dialogal que abrange o ser humano como um todo: a essência do ser humano, a pessoa, continuará a existir; aquilo que amadureceu durante a existência terrena de espiritualidade corporificada e de corporalidade espiritualizada continuará a existir de outra maneira. E a sua existência prossegue porque vive na memória de Deus (…)

‘Ter alma espiritual’ quer dizer exactamente ser querido, conhecido e amado de modo especial por Deus; ter alma espiritual significa ser-se alguém que é chamado por Deus para um diálogo eterno e que, por isso, é capaz, por sua vez, de conhecer Deus e de lhe responder. Aquilo a que, numa linguagem mais substancialista, chamamos ‘ter alma’, passamos a chamar, numa linguagem mais histórica e actual, ‘ser interlocutor de Deus’.(…)

De resto, neste ponto mostra-se claramente que é impossível, em última análise, fazer uma distinção clara entre ‘natural’ e ‘sobrenatural’.

Joseph Ratzinger, Introdução ao Cristianismo,
São João do Estoril: Principia, 2005, pp. 254-260.

domingo, 28 de outubro de 2007

Este blog está aberto à colaboração de todos quantos estão interessados em discutir o estatuto onto-epistemológico dos infinitos dualismos em que dividimos a realidade e em que nos dividimos a nós próprios.
Às quartas-feiras, das 18h às 19h, encontrar-se-ão na Faculdade de Filosofia de Braga da Universidade Católica Portuguesa quantos estiverem interessados nos debates que constituem um Seminário intitulado 'estes dualismos que nos perseguem'. Antes de cada encontro, poderá ser colocado neste blog um texto que estimule o interesse e a discussão que continuará depois no local dos encontros. Quem não puder estar presente poderá sempre entrar nos debates através deste blog.
O Seminário tem início no próximo dia 14 de Novembro, e o dualismo 'corpo-alma' será o primeiro a ser debatido. Alfredo Dinis será o apresentador e dinamizador do debate. Brevemente será aqui publicado um texto que poderá suscitar desde já esse debate.