segunda-feira, 2 de junho de 2008

Jovem/Idoso

Na próxima quarta-feira, 4 de Junho, será debatido o último ds dualismos desta primeira série. O Prof. António Fonseca, da Faculdade de Educação e Psicologia da Universidade Católica (Porto) abordará o dualismo 'jovem/idoso'. Apresenta-se aqui o texto para debate.

The golden years have come at last ?

Não se chega a velho sem um dia se ser jovem e, todavia, talvez nunca como hoje, os valores do que é jovem se opõem tanto aos valores do que é velho. Valores, sim, porque é disso que falamos quando dizemos que uma coisa (também uma pessoa?) não presta porque é velha ou presta porque é nova. E como tudo muda se dissermos que essa coisa é antiga, elevada desse modo ao estatuto de rara, preciosa (o meu avô dizia que os antigos eram isto ou faziam aquilo, mas para ele os antigos eram os mortos…).

Uma leitura do princípio da igualdade expresso no art.º 13º da Constituição da República Portuguesa dá o mote: “1. Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.” Em lugar algum do artigo se refere a idade como factor que pode levar à discriminação (negativa ou positiva). Para o legislador, não há qualquer problema, risco ou mérito associado tanto à velhice como à juventude) que mereça ser contemplado na lei fundamental. Provavelmente porque não é necessário, tão evidente lhe parece (ao legislador) que ninguém pode ser “privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever“ por causa da idade que nem vale a pena escrevê-lo.

E contudo a realidade não acompanha a lei (como quase sempre, de resto). Há não muito tempo estava em uso falar da juventude actual como “geração rasca” e eu próprio costumo usar a palavra idadismo para falar dos estereótipos que criamos acerca das pessoas mais velhas e que leva à utilização de rótulos como “uma pessoa de idade” (como se não tivéssemos sempre uma determinada idade!) para justificar porque é que esta actividade não é (ou é só…) para velhos.
Assim sendo, será que os golden years ainda são o que eram?

António M. Fonseca

terça-feira, 27 de maio de 2008

belo-bruto

Estará em debate amanhã, quarta-feira, 28 de Maio, um dos dualismos que tem perpassado toda a história da cultura: o par belo-bruto. Será apresentado por Carlos Morais, docente da Faculdade de Filosofia, propondo-se aprofundar a questão dos critérios do gosto que fundam os juízos de apreciação estética.A sessão terá lugar na sala 3.1, às 18,00 horas.
Os seguintes tópicos pretendem lançar desde já o debate.
«A ideia de que possa existir uma verdade “absoluta” (que apenas significa: não relativa, recordemo-lo pois tão pejorativo se tornou o termo) faz sorrir o primeiro liceal recém-chegado, se é que não o aterroriza. Em qualquer caso, ela contradiz a sua única convicção absoluta: a de que não existe verdade absoluta. Este resultado é o fruto de uma longa história, de uma história que foi, de facto, a das profundas subversões. Dado que a filosofia moderna não começa com Nietzsche, nem com Marx, mas antes com Descartes que acreditava firmemente, difícil de o contestar, no carácter absoluto das verdades eternas. A distância que nos separa hoje de uma tal crença parece abissal.

Na estética acontece algo completamente diferente: fundando o belo numa faculdade bastante subjectiva (…), a sua história, pelo menos até aos finais do séc. XIX, iria do relativismo para a busca dos critérios do juízo de gosto. Num paradoxo que merece reflexão, o gesto relativista mostra-se bastante menos à vontade no campo da estética do que no da filosofia pura, até mesmo no da ética, e isto por uma razão bem simples: desmorona-se rapidamente sob o peso da sua própria banalidade.»
Luc Ferry, Le sens du beau. Aux origines de la culture contemporaine, Éditions Cercle d’Art, 1998, p. 26.

«O ciclo das desconstruções termina: eis chegado o tempo das fundações»
Laurent Danchin, Pour une art post-contemporain, Ed. Lelivredart, Paris, 2008

«Gosto é a faculdade de julgamento de um objecto ou de um modo de representação mediante um comprazimento ou descomprazimento (independente de todo o interesse). O objecto de um tal comprazimento chama-se belo.»
Immanuel Kant, Crítica da Faculdade do Juízo, introd. de António Marques, trad. e notas de António Marques e de Valério Rohden, Imprensa Nacional-Casa da Moeda, Lisboa, 1992, p. 98 (§ 5, 16).

«A estética analítica não tem que se limitar de modo algum à metacrítica. As obras referem e são então símbolos. As técnicas analíticas originalmente inventadas para explicar a linguagem podem ser ampliadas e adaptadas para se aplicarem aos outros géneros de símbolos. (…) Compreender uma obra como simbólica, é incluí-la numa linguagem ou num sistema simbólico. A sintaxe do sistema determina a identidade dos signos, a sua semântica fixa a sua referência. Uma das tarefas da estética analítica consiste em descrever os sistemas apropriados à arte. Uma outra consiste em determinar em que é que se assemelham aos outros sistemas e em que é que diferem.»
Nelson Goodman & Catherine Z. Elgin, Esthétique et connaissance, trad. Par Roger Pouivet, Éditios de L’Éclat, Cahors, 1990, p. 85.

«Sugeri frequentemente que a experiência estética mais autêntica era uma experiência selvagem que para se entregar ao objecto, para se deixar surpreender e fascinar por ele, como por algo raro, para fruir dele, devia libertar-se dos hábitos, dos preconceitos, e das normas que a cultura lhe impõe. Então, desculturar-se? Sim, mas talvez não seja assim tão fácil: não é espontâneo/inocente quem quer; esta espontaneidade, esta frescura do olhar ou da audição, é necessário alcançá-las, e possivelmente à força de cultura: é necessário muita cultura para se libertar da cultura (…)».
Mikel Dufrenne, L’inventaire des a priori. Recherche de l’originaire, Christian Bourgois Editeur, Paris, 1981, pp. 296-297.

segunda-feira, 19 de maio de 2008

DUALISMO COGNIÇÃO/EMOÇÃO

Na próxima quarta-feira, 21 de Maio, às 18.00h a Doutora Ângela Sà Azevedo apresenta o dualismo cognição/emoção. Segie-se o texto para debate.


INTRODUZINDO O DUALISMO…

Reflectir acerca do “dualismo cognição/emoção” é um desafio…
Um desafio que está presente no dia-a-dia de cada Psicólogo…na sua formação teórica, nas competências de atendimento, na compreensão da pessoa que procura a sua ajuda, nas decisões que qualquer intervenção de ajuda implica…
Neste “Dualismo: Cognição/Emoção” propomos uma reflexão em conjunto, sobre as seguintes questões:
Cognição/emoção serão construtos opostos?
Fará sentido hierarquizar estes conceitos?
A competência emocional resulta de outras competências, nomeadamente as sócio-cognitivas (Veríssimo, Monteiro, Vaughn & Santos, 2003)?
Será que poderemos encarar o dualismo cognição/emoção como um verdadeiro dualismo?
Ou será que, numa perspectiva eclética, deveremos considerá-los como complementares?


DUALISMO…OU NÃO…EIS A QUESTÃO…

A evolução da ciência Psicológica caracteriza-se pelo desenvolvimento de perspectivas dicotómicas. Nos seus primórdios os investigadores centraram os seus estudos na consciência e nos estados mentais – o Experimentalismo.
Posteriormente, negando ou complementando estas abordagens surgem as teorias Behavioristas que irão enfatizar a primazia de um ambiente estimulador, renegando para um papel totalmente insignificante a vida mental (Azevedo, 2005). Com o mesmo objectivo de contestação, emergem as teorias Psicanalíticas que reavivam os elementos mentais mas agora apenas aqueles que não se encontram acessíveis ao sujeito, isto é, os pensamentos inconscientes.

Mais recentemente, nesta evolução da Psicologia encontramos teorias que, mais do que mostrar a primazia de um conceito em relação ao outro, optaram por apresentar uma abordagem complementar dos mesmos. Assim, as teorias Transaccionais (Altman & Rogoff, 1987) postulam a interacção dinâmica entre variáveis individuais e contextuais. Será essa interdependência a única capaz de explicar a complexidade do comportamento humano para fazer face às constantes mudanças. O Construtivismo é uma perspectiva transaccional que confere importância ao sujeito como construtor da sua realidade, ao atribuir significados aos objectos. Desta forma, os processos cognitivos e afectivos coexistem e permitem compreender a complexidade biopsicossocial da pessoa humana (Rosário & Almeida, 2005).

Podemos, considerando os dados referidos anteriormente, referir que apesar do estudo mais aprofundado da relação entre cognição e emoção remontar ao início da Psicologia como ciência, no entanto, é com a década de 80 que estudos inseridos em diferentes perspectivas da Psicologia, nomeadamente as teorias Psicanalíticas, as Neurociências e as Cognitivo-construtivistas, apresentam estes conceitos como complementares. Será nesta década que, definitivamente, a emoção deixa de ser considerada como antítese da cognição (Pinto, 2005).
Consideramos que cognição/emoção, mais do que conceitos opostos, representam posições contínuas do processo de conhecimento, aprendizagem e desenvolvimento, isto é, fazem parte de um mesmo sistema.

Aceitando esta perspectiva de complementaridade, encontramos na revisão da literatura estudos representantes das abordagens Cognitivistas/construtivistas que defendem que a emoção contribuirá para diferenciar o tratamento cognitivo da informação. Salientamos, por exemplo, Lazarus (1991) segundo o qual a emoção apresentaria um papel crucial no tratamento da informação, sendo que a avaliação cognitiva precederia uma reacção afectiva. No entanto, sem a pretensão de saber se a cognição se situa antes ou depois da emoção, autores como Moreno (1998) afirmam que existe uma verdadeira interacção dinâmica entre cognição e emoção, pelo que coabitariam e colaborariam da mesma forma para o pensamento e para o raciocínio de cada sujeito psicológico.

Recentemente autores como Veríssimo, Monteiro, Vaughn e Santos (2003), num estudo realizado com 50 díades mãe/criança, com o objectivo de estudar a influência do tipo de vinculação no desenvolvimento emocional e cognitivo das crianças, concluíram que crianças inseguras apresentavam mais dificuldades em perceberem o ponto de vista cognitivo do outro (descentração cognitiva global).
Por sua vez, estudos na área das Neurociências apresentam um funcionamento psicológico integrado, em que conceitos como fisiológico/psicológico, cognitivo/emocional aparecem estabelecendo relações dinâmicas (Darwich, 2005). Esta interdependência entre emoção e cognição foi defendida primeiramente por Damásio (1995) na sequência das suas investigações que concluíram que sujeitos que sofreram de lesões cerebrais apresentam perturbações nas reacções emocionais e, igualmente, na tomada de decisões. Este autor vai mais longe considerando que as emoções são mesmo guias que determinam a direcção das nossas decisões.

COGNIÇÃO/EMOÇÃO E OUTROS CONCEITOS

Terminamos… propondo a aplicação deste dualismo a conceitos como…
Lidar com situações desafiantes (Coping)…
Inteligência emocional…
Auto-conceito e Auto-estima…
Psicologia do Optimismo…
Aprendizagem auto-regulada…
Motivação intrínseca e acção motivada autónoma…
Modelo de Sedução Educacional…
Decisões vocacionais (Interesses/aptidões?)…

Gostaria de participar nesta reflexão?
Quer propor a aplicação deste dualismo a outros conceitos?
Então aceite este desafio e participe…

BIBLIOGRAFIA…

Altman, I., & Rogoff, B. (1987). Word Views in Psychology: Trait, International, Organismic and Transactional Perspective. In I. Altman e B. Rogoff (eds), Handbook of Envirommental Psychology, vol. 1, New York, J. Wiley and Sons.
Azevedo, A. S. (2005). Motivação e Sucesso na transição do ensino secundário para o ensino superior. Tese de Doutoramento em Psicologia. Porto: Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
Damásio, A. (1995). O erro de Descartes: emoção, cérebro e o cérebro humano. 12ª Edição. Lisboa: Publicações Europa-América
Darwich, R. A. (2005). Razão e emoção: uma leitura analítico-comportamental de avanços recentes nas neurociências. Estudos de Psicologia, 10 (2): 215-222
Pinto, F. E. M. (2005). A afectividade na organização do raciocínio humano: uma breve discussão. Psicologia: Teoria e Prática, 7 (1): 35-50
Moreno, M. (1998). Sobre el pensamiento y otros sentimentos. Cuadernos de Pedagogia, 271: 12-20
Veríssimo, M., Monteiro, L., Vaughn, B. E., & Santos, A. J. (2003). Qualidade da vinculação e desenvolvimento sócio-cognitivo. Análise psicológica, 4 (XXI): 419-430.

terça-feira, 13 de maio de 2008

Tempo-Eternidade

Na próxima quarta-feira, 14 de Maio, às 18h, tem lugar mais um encontro sobre dualismos, desta vez 'tempo e eternidade'. Seguem-se alguns pontos para a reflexão


O tempo é a imagem móvel da eternidade que não passa. Esta imagem é eterna, mas move-se segundo número.
(Platão, Timeu, 38 a)


O tempo é o número do movimento, segundo o antes e o depois… O tempo não é movimento, mas movimento enquanto admite enumeração. O tempo é uma espécie de número.
(Aristóteles, Physica, IV, 11, 220-25)


O tempo não é outra coisa senão distensão … da própria alma.

(Agostinho, Confissões, XI, 26)

Em ti, ó minha alma, meço os tempos … Meço a impressão que as coisas gravam em ti à sua passagem, impressão que permanece, ainda depois delas terem passado. Meço a impressão enquanto é presente e não àquelas coisas que se sucederam para ela ser produzida. É essa impressão que eu meço, quando meço os tempos.
(Agostinho, Confissões, XI, 27)

O tempo é um vestígio de eternidade.
(Agostinho, De Genesi, 13, 38)

A eternidade é a possessão, totalmente simultânea e perfeita, da vida interminável.
(Boécio, De Consolatione Philosophiae, V, prop. 6)

O tempo absoluto, verdadeiro e matemático, de si e de sua própria natureza, flui uniformemente sem relação a nada externo, e é chamado duração; o tempo relativo, aparente e vulgar é qualquer medida sensível e externa (exacta ou não uniforme) da duração, por meio do movimento, e usa-se vulgarmente em lugar do tempo verdadeiro, tal como, a hora, o dia, o mês, o ano.
(I. Newton, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, 1687)


De acordo com a mecânica clássica e com a teoria da relatividade restrita, o espaço-tempo tem uma existência independente da matéria ou do campo … Na teoria da relatividade geral, por outro lado, … o espaço-tempo não tem existência por si própria, mas apenas como uma qualidade estrutural do campo.
(A. Einstein, Ideas and Opinions, 375)


O tempo é o que acontece, quando nada mais acontece … O que realmente interessa não é como definimos o tempo, mas como o medimos … utilizando alguma coisa periódica.
(R. Feynman, Lectures on Physics, 1963, vol.1, 5-1)

Para tudo há um momento e um tempo para cada coisa que se deseja debaixo do céu: tempo para nascer e tempo para morrer, … tempo para chorar e tempo para rir, … tempo para procurar e tempo para perder, … tempo para amar e tempo para odiar, tempo para a guerra e tempo para a paz.
(Ecle. 3, 1-8 )


O que é o tempo? Qual a sua natureza, princípio e fim? Que ligações podemos estabelecer entre tempo físico e tempo existencial? E entre tempo e eternidade?

terça-feira, 6 de maio de 2008

bem-mal

Na próxima quarta-feira, às 18.00h, terá lugar na Faculdade de Filosofia, sala 3.1, o encontro sobre o dualismo bem-mal apresentado pelo Prof. José Henrique Silveira de Brito. Apresentam-se a seguir alguns tópicos para debate:

Conhecer é comparação (Nicolau de Cusa)

Valores «são aquelas formas de ser ou de se comportar que, por configurar o que homem (o ser humano) aspira para a sua plenificação e/ou a do género humano, se tornam objecto do seu desejo mais irrenunciável» (França-Taragó)

Da polissemia do termo “valor” à concepção de bem: estará aqui implicado o relativismo?

Mal natural: tudo o que nos causa sofrimento ou supõe um obstáculo para a realização dos nossos desejos» (MARINA, José António - Ética para náugrafos. 4ª ed. 1º Ed 1995. Barcelona: Editorial Anagrama, 1995., p. 220)

Mal ético: «tudo o que directa ou indirectamente deteriora a estabilidade da órbita da dignidade e nos empurra para a natureza, que é facticidade e violência» (MARINA, p. 231)

Fará sentido distinguir mal natural e mal moral?

Depois da “positividade” com que o mal foi experimentado durante o século XX, será possível falar dele como “privação”?

terça-feira, 29 de abril de 2008

Sagrado-profano

No dia 30 de Abril, quarta-feira, o Doutor Miguel Dias Costa apresentará na Faculdade de Filosofia, às 18h, sala 3.1, o dualismo sagrado-profano.

Tópicos para discussão:

“O tremendum, o elemento repulsivo do numinoso, esquematiza-se pelas ideias racionais de justiça, de vontade moral […], o fascinans, o elemento cativante do numinoso, esquematiza-se pela bondade, pela misericórdia, pelo amor”.
R. Otto


“A primeira definição que pode dar-se do sagrado, é que ele se opõe ao profano”.
“O homem profano é o descendente do homo religiosus e não pode anular a sua própria história”.
M. Eliade

“Nós acabámos de dizer: a violência e o sagrado. Nós poderíamos dizer igualmente: a violência ou o sagrado. O jogo do sagrado e da violência não é senão um e o mesmo”.
R. Girard

quarta-feira, 16 de abril de 2008

dualismo homem-mulher

Este dualismo será apresentado hoje, dia 16 de Abril, pela Doutora Maria de Fátima Lobo, por não ter sido possível a sua apresentação no passado dia 9.

segunda-feira, 7 de abril de 2008

Dualismo: Homem-Mulher

Na próxima quarta-feira, 9 de Abril, terá lugar na Faculdade de Filosofia, das 18h às 19h, um debate sobre o dualismo homem-mulher, apresentado pela Doutora Maria de Fátima Lobo, docente de Psicologia da Faculdade de Filosofia. O seguinte texto lança desde já o debate.



A mulher portuguesa tem vindo a conquistar progressivamente o seu espaço de intervenção. Ocupa, actualmente, sectores profissionais tradicionalmente masculinos – Saúde, Ensino Superior, Justiça (Guinote, P. J. A., 2003) -, mas continua a apresentar deficit de participação na propriedade do capital, na administração de empresas transnacionais, nos sectores estratégicos, nas instância de concertação mundial e nas decisões estratégicas político-económico-militar (Silva, M., 2003; Hofstede, G., 1997), nem sempre a comunidade científica analisa com imparcialidade o desempenho feminino (Esteves, J., 2003) e não são implementadas medida activas de incentivo à participação nos órgãos de poder político (Viegas, J. M. L. & Faria, S., 1999). Contudo, reportando-nos a dados de 2005, os indicadores estatísticos apontam para níveis de escolarização femininos mais elevados: entre os 20 e os 24 anos, 56% das mulheres e 40,4% dos homens completaram o ensino secundário; no mesmo ano, 30,1% das mulheres entre os 18 e os 24 anos e 46,7% dos homens com a mesma idade, abandonaram a escola e, no ano lectivo 2003-2004, cerca de 66% dos diplomados do ensino superior eram mulheres.

Embora os valores da participação política feminina sejam, ainda, bastante modestos, têm vindo a aumentar significativamente se consideramos que apenas em 1931 foi concedido direito de voto às mulheres portuguesas, desde que possuíssem formação universitária ou conclusão do ensino secundário; a Constituição de 1933 embora consagrando a igualdade dos cidadãos perante a lei estabelecia excepções de natureza e de interesses familiares para as mulheres; as mulheres, em número de três, tiveram acesso pela primeira vez à Assembleia da República no ano de 1935 e, apenas, em 1971, uma mulher foi integrada no Governo da República - Maria Teresa Lobo, Subsecretária de Estado da Segurança Social-. A situação modificou-se significativamente após 1974. Contudo, a alta Magistratura da Nação foi desempenhada sempre por homens, o cargo de Primeiro Ministro foi ocupado, apenas, uma vez por uma mulher, durante um período limitado - Maria de Lurdes Pintassilgo -, nenhuma mulher ocupa lugar de chefia nos partidos políticos representados na Assembleia da República e segundo o relatório efectuado em 1997, apenas 26,9 % do total das funções autárquicas ao nível municipal são desempenhadas por mulheres (Saint-Maurice, et. al., 1997: 4); o grupo etário mais numeroso situa-se entre os 40 e os 49 anos, com habilitações literárias correspondentes ao bacharelato (28%) e licenciatura (31%), são mulheres activas profissionalmente e, predominantemente, trabalhadoras por conta de outrem; as formações político-partidárias raramente apresentam uma mulher para cabeça de lista, sendo estas colocadas, quase sempre, em posições secundárias e muitas vezes em situação não elegível. Existe, portanto, uma razão imediata que pode ser interpretada à luz das dinâmicas partidárias.
José Pacheco Pereira num artigo de opinião (Público, 2.02.06: 7) identifica um conjunto de técnicas de filiação - «Havia casos em que os militante nem sequer existiam, eram fantasmas. Moravam todos numa única casa, para terem uma concentração numa secção quando era útil em termos de sindicato de voto ganhar as eleições. Falava-se de um talho, ou de um número numa rua que era um tapume, e onde moravam dezenas de militantes» (Pereira, J. Pacheco, 2006: 7) -, de estratégias para ganhar eleições no interior dos partidos -«O controlo dos cadernos eleitorais e de registos de filiação, das listas de mailing e outras, eram essenciais para manipular eleições» (Pereira, J. Pacheco, 2006: 7-, e de práticas corporativas que acentuam o proteccionismo de grupos restritos - «Esperava-se que actuasse da melhor maneira para gerir as carreiras políticas que dele dependiam, que alargasse o campo da empregabilidade para cada um e sua família, fizesse um upgrade dos empregos e, em tempos infaustos, que não os perdesse. Esperava-se que fosse o chefe do sindicato de dentro, não o interprete das esperanças de fora» (Pereira, J. Pacheco, 2006: 7) -. As lógicas partidárias entregues, quase sempre, a minorias de agentes locais estrategicamente posicionados para mutuamente se protegerem, são obstáculos estruturais objectivos não só à participação política feminina como a outros agentes destabilizadores do status quo.
Se acrescentarmos a estes factores, a estrutura familiar, a partilha dos trabalhos domésticos (Perista, Heloísa, 2002), o mercado de trabalho, as políticas sociais de apoio à família, os horários das reuniões dos partidos políticos, entre outros, compreender-se-á que a questão da participação política feminina constitui um dos problemas centrais da sociedade actual, principalmente porque através dele, enquanto factor indiciador, é possível interpretar a estrutura social, familiar, a democracia, a exclusão social, os sensores éticos, os sistemas de crenças e de valores, as identidades, as políticas sociais de apoio à família, os sistemas educativos, os modelos científicos, os enquadramentos religiosos e a vitalidade das instituições.

Cada época constrói o seu sistema de representações, de signos e de imagens. Coexistem várias construções da feminilidade, construções acumuladas ao longo das diferentes épocas. Até ao século XIX foram «produzidas por homens. As mulheres não se representavam a si próprias. Eram representadas» (Duby, G., 1992: 14). O masculino assume o poder de representar e de definir. O feminino e a sua identidade são definidos de modo diferido. As mulheres são entidades ausentes da sua própria definição e alheias aos espaços onde os homens as definem.

A construção dos espaços e da organização social implícita faz parte do poder masculino de representar e de definir. Georges Duby (1992), através da análise retrospectiva das «Imagens da Mulher», considera que estas «ficaram reduzidas a uma posição marginal. Em todos os momentos das sua história, a nossa sociedade, como provavelmente todas as sociedades do mundo, impunha-lhes que contribuíssem para os atractivos do lar, trabalhando para o ornamentar. Os ornamentos do espaço doméstico, assim como os do corpo, sempre foram competência da mulher» (Duby, G., 1992: 14). O espaço, enquanto entidade física e representacional, constituiu-se, ao longo do tempo histórico, como categoria social. Os espaços deixaram de ser neutros: espaços femininos e espaços masculinos. O espaço feminino é interior, o espaço masculino é exterior (Lobo, Fátima, 2005; Hofstede, G., 1997: 54).
O espaço não possui, apenas, extensão; possui, também, significação. Georges Duby afirma: «Até uma época muito recente, a burguesia comprazia-se em ver as mulheres preencherem a sua actividade interessando-se pela aguarela, do mesmo modo que tocavam piano para repouso e orgulho de seus pais e de seus maridos. Mas se uma delas decidisse ir mais longe e se, transgredindo as proibições, conseguisse aproximar-se das altas esferas da verdadeira criação, era apontada a dedo, denunciada como excêntrica» (Duby, G., 1992: 17). A excentricidade era aferida a partir do grau de afastamento do centro do espaço feminino que, por sua vez, estava indexado a um conceito de família. A categoria meta-social suporta a diferenciação de papéis.

Estabelecem-se consensos, mas se o consenso no século XIX se estabeleceu em torno do «ideal feminino: a mulher burguesa no lar» (Higonnet, A., 1992: 140), se entre os séculos XVI-XVIII, o arquétipo de mulher concilia «o mundo cristão e o mundo natural, o inteligível e o sensível. Idealização, depuração da matéria do corpo (…) a forma sublimada de uma mulher perfeitíssima remete o invólucro carnal para a sua essência espiritual» (Cornette, Joel, 1992: 108), na Idade Média, se enaltece o amor cortês, a sedução, a intimidade profana, a dor, o pudor, a fadiga e o segredo e se assume o arquétipo de Eva, «que não soube resistir à serpente, mas consegue em compensação, tornar-se irresistível aos olhos dos seu companheiro» (Frugoni, Chiara, 1992: 83) e, na mitologia pagã, as «representações tentam reduzi-la aos seus menores denominadores comuns: a procriação, a conservação, o prazer» (Rouche, Michel, 1992: 36).

Permanecerá, a mulher do século XXI, vinculada à ideia de companheira nos jogos eróticos, mãe protectora e consoladora, subalterna, submissa (Duby, G., 1992: 18-19), doméstica, fada do lar, ou a situação da mulher do século XXI é mais complexa, porque se divide pela profissão, pela maternidade, pelas novas representações de prazer e desempenho sexual, pelo trabalho doméstico, pela educação dos descendentes e apoio aos ascendentes, pelas exigência de beleza, da moda, de vida saudável, de aparência e até de linguagens?


Referências bibliográficas:
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Pereira, José Pacheco. A lenta dissolução dos partidos - ficções de baixo. Público, 2 de Fevereiro de 2006, p. 7
Perista, Heloísa. (2002). «Género e trabalho não pago: os tempos das mulheres e os tempos dos homens». Análise Social, nº 163, Vol XXXVII, pp. 447-474
Rosener, Judy B. (1997). America´s Competitive Secret: woman managers. New York. Oxford University Press
Rouche, Michel. (1992). «Mitos e Mistérios. Da Antiguidade ao Mundo Medieval». Imagens da Mulher. In. Duby, G. & Perrot, M. (Org.).. Ed. Afrontamento, pp. 36-66
Silva, Manuela. (2001). «A mulher que vem aí». Brotéria, Vol. 153, pp: 597-613
Silva, Manuela. (2003). «As mulheres face aos desafios da globalização». Castro, Zília, Osário (Dir.). Liv. Horizonte, pp. 99-118
Toldy, Teresa Martinho (2001). «Da mulher passiva à mulher activa?». Brotéria, Vol. 153, pp. 573-581
Vala, Jorge. (2000). «Representações sociais e psicologia social do conhecimento quotidiano». Psicologia Social. In. Vala, J. & Monteiro, M. B. (Coord.), Fundação Calouste Gulbenkian, pp. 457-502
Viegas, José Manuel Leite & Faria, Sérgio. (1999). As mulheres na política. Imprensa Nacional Casa da Moeda. Presidência do Conselho de Ministros

terça-feira, 1 de abril de 2008

ensinar-aprender

Na próxima quarta-feira, 2 de Abril, às 18h, na sala 3.1, a Doutora Susana Moreira, docente do curso de Psicologia da Faculdade de Filosofia, apresentará o dualismo sobre 'ensinar-aprender', que esteve agendado para o dia 5 de Março e que não chegou a ter lugar. O texto foi anteriormente apresentado neste blog e lança novamente o debate.

terça-feira, 11 de março de 2008

a bruxa e o inquisidor

Na próxima quarta-feira, 12 de Março, haverá mais um encontro sobre 'estes dualismos', na Faculdade de Filosofia, sala 3.1 às 18h.
A BRUXA E O INQUISIDOR:UMA REFLEXÃO SOBRE A LIBERDADE E O MEDO QUE TEMOS DELA
PROF. MANUEL CURADO(Universidade do Minho) Faculdade de Filosofia da Universidade Católica Portuguesa, Braga, 12 de Março de 2008
NOTAS DE REFLEXÃO
Não tenho a certeza de que o que irei afirmar seja verdadeiro ou, até mesmo, plausível. É muito provável que sejam ideias apressadas, tontas e sem fundamento. Qualquer pessoa sensata deve desconfiar de forma deliberada da sua capacidade para compreender assuntos que a própria pessoa não inventou ou criou. Se esta é a situação geral do conhecimento, quando os assuntos dizem respeito à história humana deverá existir um cuidado muito maior, isto é, uma recusa da arrogância natural da inteligência humana em compreender os assuntos e em acreditar em que pode compreender o que quer que seja. Os assuntos que agora nos reúnem são de natureza histórica.
Apesar de existirem muitos estudos sobre as relações entre o Cristianismo e o Paganismo, os documentos que chegaram até nós estão dramaticamente enviesados e ninguém sabe qual a interpretação a dar a muitos deles. Penso que esta Biblioteca Negra (negra por várias razões) não é decorativa mas aponta para aspectos muito importantes da natureza humana. A minha interpretação das obras de Pierre de Lancre, Krämer e Sprenger, Nider, Henry Borguet e de tantos outros é a de que descrevem em conjunto uma Alegoria da Liberdade. Cada uma delas é um catálogo de comportamentos possíveis e impossíveis, permitidos e proibidos, desejados e amaldiçoados. Todas têm em comum a crença espantosa de que o comportamento humano é significativo e não um teatro inconsequente. Como é que actos realizados em privado ou na esfera doméstica podem ter consequências para além do próprio indivíduo?
Estes textos oferecem uma vertigem de liberdade porque descrevem uma vasta quantidade de comportamentos possíveis. Porém, apesar de os autores desses livros acreditarem que muitos comportamentos são possíveis (aliás, eles acreditam mais nisso do que nós), não os julgam aceitáveis. Estes livros negros são, pois, atravessados por uma dialéctica entre a liberdade extrema e a proibição violenta de comportamentos privados, domésticos ou realizados em pequenas comunidades. Penso que a vasta biblioteca intelectual que nos chegou da época da Caça às Bruxas (intelectual porque os testemunhos populares perderam-se quase totalmente) é um património precioso por várias razões. Essa biblioteca obriga-nos a pensar sobre a liberdade, a violência legítima e ilegítima, a relação dos seres humanos com os outros Poderes do mundo e, ouro sobre azul, sobre o que há no mundo e que tipo de seres existem.
Todos os intelectuais contemporâneos, sobretudo os cientistas, deveriam passar os olhos por este tipo de literatura antiga. Os milhares de páginas deste espólio são atravessados pelo sentimento de evidência. Os seus autores sentem e acreditam que é evidente o que afirmam sobre o que está e se passa no mundo. Para nós, nada do que escreveram é evidente. Por exemplo, custa-nos a aceitar que uma das profissões mais nobres e elevadas do início da Modernidade fosse a de Demonólogo. No entanto, os demonólogos eram conselheiros de Príncipes e da Santa Sé. O que se alterou, pois? O mundo já não tem o que eles afirmaram que tinha? Nunca teve? Teve e deixou de ter? O mundo alterou-se ou fomos nós que nos alterámos? A hipótese que proponho é a de que as narrativas sobre o Mal e o Bem assinadas por Inquisidores e outros Controladores da Liberdade desempenham um papel importante na organização da vida.
O sistema de proibições e de permissões obriga à existência de controladores do comportamento de outrem. Não penso que a Biblioteca Negra da Europa seja importante pelos seus correlatos, isto é, pelas descrições que faz sobre o que existe e não existe. Penso que essa Biblioteca é importante porque mostra o modo de actuação do Poder. O realismo fantástico que caracteriza a Biblioteca Negra propõe uma tese radical sobre a liberdade dos seres humanos: tudo é possível, tudo mesmo, incluindo a violação das leis da natureza e da sociedade humana. Um símbolo eloquente dessa liberdade extrema encontra-se na figura da Bruxa. Esta liberdade superior ao que se pode pensar foi sempre sistematicamente combatida, violenta e militarmente combatida por muitos tipos humanos que simplifico na figura dos Inquisidores. Ao pensar na atracção fatal entre estas duas possibilidades de se ser um ser humano, não se pode deixar de pensar sobre o que está em causa.
A minha ideia é a de que o que está em causa no bailado histórico entre Bruxas e Inquisidores é o catálogo do que existe, do que está no mundo. As Bruxas queimadas e os Inquisidores que as queimaram têm em comum uma obsessão pela Realidade, sobre o que é e não é real, procurando as primeiras alargar a visão do real e esforçando-se os segundos para limitar o catálogo do real. O que eles nos deixaram foi uma maravilhosa e trágica Metafísica em movimento. Reafirmo o que disse no início: é muito provável que não tenha nada de interessante a dizer sobre assuntos que ultrapassam a minha inteligência e experiência. Só me dou ao incómodo de abordar estes temas porque estes assuntos não ultrapassam a minha curiosidade.

domingo, 2 de março de 2008

ENSINAR/APRENDER

Na próxima quarta-feira, 5 de Março, a Doutora Susana Moreira, docente do curso de Psicoogia, orientará um encontro sobre o dualismo 'ensinar-aprender', às 18h, na Faculdade de Filosofia, sala 3.1. O texto seguinte lança o debate:

Susana Horta Moreira

As questões relacionadas com o ensino e a aprendizagem têm passado, nas últimas décadas, por períodos de intensa polémica e consequente debate. Nestes ciclos de fulgurosa controvérsia ora são postos em palco os professores, os alunos, os pais e os ministros enquanto actores da senda da Educação no nosso país.
Várias têm sido as reformas educativas em Portugal nos últimos anos e, cada vez que é implantada outra, um novo ciclo de contestação se adivinha.

Presentemente, essa polémica não poderia estar mais acesa. Não obstante, e não desvirtualizando a importância das questões que estão a lume, tentaremos alhear-nos das mesmas, para que possamos reflectir com algum distanciamento e imparcialidade este dualismo que nos persegue: Ensinar/Aprender.
Primeiramente, abordaremos esta dicotomia numa perspectiva mais generalista da Educação para, numa fase posterior, direccionarmos esta discussão para o Ensino Universitário, por ser aquele que directamente nos implica.
(...)

As percentagens elevadas de insucesso e absentismo escolar constituem realidades que não podem passar indiferentes quer aos políticos, quer à sociedade civil, e particularmente aos agentes desse processo– professores, alunos e pais.
Parece sobremaneira consensual entre educadores (pais e professores), a convicção de que os alunos, independentemente do nível de escolaridade, dedicam pouco tempo ao estudo, e o escasso tempo em que o fazem parece não ser convenientemente aproveitado. Paralelamente, muitos alunos, quando ingressam no Ensino Superior, deparam-se com um abismo incalculável ao perceberem que não estão preparados para a exigência e trabalho autónomo que este nível de Ensino lhes impõe.

Perceber onde falha esta díade processual ensino-aprendizagem constitui, sem dúvida, o primeiro passo para o desenvolvimento de estratégias conducentes à resolução deste problema.
Em nosso entender, as inquietações dos intervenientes neste processo põem a descoberto o cerne da questão: os alunos não têm método(s) de estudo(s) porque os educadores não lho(s) ensina(m)! E, os educadores não lhos ensinam, a maior parte das vezes, não por falta de vontade ou profissionalismo, mas antes porque não foram preparados nem tiverem formação adequada para o fazerem.

A introdução de um tempo lectivo, não disciplinar, como o Estudo Acompanhado, no currículo do Ensino Básico, foi equacionada como uma das possíveis soluções para colmatar esta lacuna, não oferecendo resistência de maior por parte da comunidade educativa, dado o seu propósito bem intencionado – a promoção de métodos de estudo e de trabalho que permitam aos alunos realizar com autonomia a sua aprendizagem e desenvolver a capacidade de aprender a aprender (DEB, 1999).

Mas a implementação séria desta medida carecia de directrizes claras sobre as estratégias a aplicar, e uma adequada e oportuna formação dos docentes envolvidos no processo, o que não se verificando, traduziu esta prática em algo insípido e sem resultados visíveis e/ou generalizáveis. Na realidade, os resultados práticos dessa medida parecem ser pontuais e circunscritos a escolas, onde as suas direcções, com a ajuda de docentes empenhados e embrenhados no aprender a fazer, apostam autonomamente em implementar alguns dos parcos programas que existem no nosso país, que permitem trabalhar de forma consistente as competências de estudo e a aprendizagem auto-regulada (e.g., Rosário, 2004; Rosário, Núñez, & Pienda, 2006).

O desenho de soluções para estes problemas requer, a nosso ver, uma resposta crível à questão: Que orientações e que estratégias necessitam os nossos professores para que possam promover um ensino efectivo e aprendizagens proficientes?

Em nosso entender, a Psicologia da Educação pode e deve ter uma palavra a dizer sobre a questão em apreço.
Com efeito, a literatura sobre o processo de ensino-aprendizagem é pródiga na fundamentação teórica dos factores envolvidos no desenvolvimento de crianças e jovens autónomos e eficazes nas suas aprendizagens.

Uma das abordagens teóricas que mais se tem destacado nos últimos anos é a perspectiva sócio-cognitiva da aprendizagem, emergente no contexto do paradigma construtivista, que acentua o protagonismo do aluno nesse processo, sustentando que os conhecimentos apre(en)didos são essencialmente fruto de uma construção individual.
Esta abordagem teórica da aprendizagem defende ainda que o aluno não só é o construtor dos seus próprios conhecimentos, mas também alguém que pode ser capaz de monitorizar e reajustar as estratégias que melhor favoreçam os seus resultados e um percurso académico proficiente. Sustenta que a aprendizagem não tanto um resultado imediato das experiências e oportunidades do ensino, em si mesmo, mas antes uma consequência do ensaio e (re)ajuste pró-activo de estratégias que se revelam mais ou menos eficazes, acentuando a forma como o aluno empreende iniciativa, persevera e se adapta durante o processo de aprendizagem.

Assim, ao longo do seu percurso académico, o aluno deverá aprender um conjunto de estratégias que lhe permitam assumir a responsabilidade e o controlo pelo seu processo de aprendizagem, o que implica uma dinâmica cíclica de planificação, execução e avaliação das tarefas, dos resultados e das estratégias implementadas (Zimmerman, 1999, 2000; Zimmerman & Schunk, 2001).

Esta acentuação na pró-actividade do aluno, enquanto construtor dos seus próprios conhecimentos, capaz de monitorizar e reajustar as estratégias que melhor favoreçam os seus resultados e o seu percurso académico, vem reverter o foco da aprendizagem, que antes estava colocado na figura do professor e na sua pedagogia de ensino, e nos pais enquanto primeiros educadores.
Tais asserções não significam, contudo, que a importância do adulto no processo de ensino-aprendizagem seja negada. Na verdade, e independentemente do seu papel de pai ou de professor, o adulto é assumido como um mediador fundamental entre o aluno e o meio, sobretudo nas etapas mais precoces da aprendizagem.
Não obstante, a ênfase na autonomia e pró-actividade do aluno é considerada de forma gradativa e ajustada ao seu nível de escolaridade, pelo que assume particular relevância no Ensino Superior.

Esta perspectiva, aliás, vem de encontro aos princípios fundamentais do modelo de ensino-aprendizagem preconizado pelo Processo de Bolonha, impondo a alunos e docentes um enorme desafio: os alunos assumem o protagonismo na aquisição dos conhecimentos e no desenvolvimento de competências, e aos professores cabe o papel de os apoiar e orientar nas suas aprendizagens através do trabalho, individual e em equipa, que levam a cabo.

Numa reflexão mais aprofundada sobre estas questões, e abstraindo-nos da sua natureza cristã, damo-nos conta de que estas propostas encontram respaldo e similaridades com alguns dos princípios básicos da Ration Studiorum, Modelo Pedagógico da Companhia de Jesus que remonta ao séc. XVI, cuja aplicabilidade, no presente, podemos consubstanciar nas palavras de Lopes (2002, p.130):
A Ration Studiorum, hoje, pode ajudar o mundo da Escola, porque ela se centra no encontro pessoal entre o educador e o educando, num processo contínuo de interacção e comunicação; porque, ao individualismo, responde com a colaboração, com a ajuda recíproca, com o sentido de comunidade no aprender, como treino para o viver, porque quer que o aluno seja capaz de aprender a aprender por si próprio, durante toda a vida, que seja activo, interessado, participativo no processo educativo, e não mero recipiente de informações; porque ensina e valoriza a generosidade, o trabalho em equipa, a solidariedade; porque apela para uma educação integral, onde o aluno é convidado a desenvolver, equilibrado e harmonicamente, todas as suas faculdades intelectuais, afectivas e volitivas; [...]

Estas premissas parecem não deixar margem para dúvidas: Afinal,
parece que andamos a discutir a panaceia do “Ovo de Colombo” sem que ninguém tenha a coragem de equilibrar o ovo num dos seus extremos!
A actual conjuntura da Educação no nosso país requer mudança. Bolonha impõe mudança! Mudança nas metodologias de ensino-aprendizagem e mudança nos papéis dos seus principiais intervenientes neste processo. E, mudanças desta natureza despoletam necessariamente alguma incerteza e insegurança quer nos alunos, habituados a desempenhar um papel passivo no processo de ensino-aprendizagem, quer nos professores, que deverão abdicar da comodidade da função de meros transmissores de conhecimentos.

Tenhamos a coragem, professores e alunos, de nos predispormos à mudança com abertura, debate e espírito crítico para que, num processo de co-autoria, possamos aferir procedimentos conducentes aos desafios de Bolonha!

Referências Bibliográficas

Departamento da Educação Básica (1999). Gestão flexível do Currículo. Lisboa: Ministério da Educação.

Lopes, J. M. (2002). Projecto educativo da Companhia de Jesus: Dos exercícios espirituais aos nossos dias. Braga: Universidade Católica Portuguesa.

Rosário, P. (2004). Estudar o estudar: As (Des)venturas do Testas. Porto: Porto Editora.

Rosário, P., Núñez, J. C., & González-Pienda, J. (2006). Cartas do Gervásio ao seu umbigo: Comprometer-se com o estudar na universidade. Coimbra: Edições Almedina.

Zimmerman, B. J. (1998). Developing self-fulfilling cycles of academic regulation: An analysis of exemplary instructional models. In D. H. Schunk & B. J. Zimmerman (Eds.), Self- regulated learning: From teaching to self-reflective practice (pp. 1-19). New York: The Guilford Press.

Zimmerman, B. J. (1999). Commentary: Toward a cyclically interactive view of self-regulated learning. Educational Research, 31, 545-551.

Zimmerman, B. J. (2000). Attaining self-regulation: A social cognitive perspective. In M. Boekaerts, P. Pintrich, & M. Zeidner (Eds.), Handbook of self-regulation (pp.13-39). San Diego: Academic Press.

Zimmerman, B. J., & Schunk, D. H. (2001). Self-regulated learning and academic achievment: Theoretical perspectives. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2008

corpo-mente

O próximo debate sobre 'estes dualismos' terá lugar no próximo dia 27, às 18h, na Faculdade de Filosofia. O seguinte texto lança o debate.
Dualismo Corpo-Mente:
algumas reflexões introdutórias


João Carlos Major

Partindo da pressuposição de sermos apenas objectos físicos, ainda que assaz complexos, muitos investigadores defendem que o mental é um estado do físico e que a nossa vida psíquica pode ser reduzida ao produto de uma série de eventos físicos, químicos e eléctricos que ocorrem no nosso cérebro e em todo o corpo, o que cada vez mais parece ser corroborado pelas investigações que colocam de manifesto a influência do orgânico nos nossos estados mentais, pensamentos, emoções e afins.

Na senda do behaviorismo[1] e do positivismo lógico[2], as neurociências de hoje colocam cada vez mais a nu os sistemas neurais que nos permitem ter estados mentais e auto-consciência. Não é de estranhar, como tal, que as inúmeras descobertas do âmbito empírico sustentem as chamadas teorias da identidade, que postulam que os estados mentais não são apenas influenciados pelos estados cerebrais mas que são os próprios estados físicos do cérebro. E parece que os avanços da ciência vão dar, em parte, cada vez mais razão a esta posição. Por isso, uma das actuais linhas de investigação em neurociência procura identificar o correlato neural da consciência, dos comportamentos éticos[3], etc.

Tais teorias identitárias, levadas às últimas consequências, estão na base do materialismo eliminativista, o qual chama à atenção os casos bem sucedidos de pura eliminação de antigas teorias explanatórias, substanciadas, por exemplo, em hipotéticos elementos tal como o flogisto ― que era um fluido imaginado pelos químicos de outrora para explicar a combustão[4]. Assim, o materialista eliminitivista espera um desenlace semelhante, procurando a eliminação pura e simples das antigas ontologias explicativas de carácter dualista e substancialista em favor de uma teoria nova e superior, ansiando com o dia em que as neurociências estejam suficientemente amadurecidas para banir, de uma vez por todas, as nossas limitadas compreensões.

Vocábulos como “desejo”, “dor” ou “crença”, nada mais serão que fantasias emanadas das nossas estruturas neuronais; as mesmas que permitem a maior de todas as ilusões: a de possuirmos consciência, que agora passa a ser entendida como um mero epifenómeno. Por conseguinte, a linguagem da psicologia popular deveria ser abandonada em favor dos conceitos da neurociência. Tal eliminativismo é uma forma recente e radical de naturalismo materialista. Para este, tanto o mental como o corpóreo se apresentam como meras expressões linguísticas, partes de um mundo conceptual definido no âmbito da linguagem e sem um maior alcance do que isso.

Mais do que uma identificação de um com o outro, como faz a perspectiva identitária, o materialismo eliminitivista procura a eliminação de todas as antigas explicações e dos termos da psicologia do senso comum em prol de uma nova e radical forma de compreensão puramente científica[5]. Ainda que a psicologia popular, isto é, o esforço diário dos seres humanos em busca de uma compreensão simples e abrangente da realidade, em muitos casos funcione, podendo até ser o primeiro passo para uma compreensão reducionista, cientistas como Francis Crick[6] e filósofos a eles ligados, como Paul e Patricia Churchland[7], tendem a considerar esta estratégia como tempo perdido. Segundo eles, se o que almejamos é a redução, porque não iniciá‑la desde já? Então, urge olhar para dentro da caixa negra e observar como os seus componentes se comportam.

É a posição redutora a que apresenta mais adeptos no âmbito das fileiras da ciência. Afinal, aparece como a mais próxima da investigação empírica e dos factos da natureza.

Por outro lado, a corrente oposta – o fisicalismo não‑redutor[8]procura contrastar a crua declaração do fisicalismo redutor, na qual se defende que a natureza é tudo, e que da matéria veio tudo o que existe, sendo tudo explicado pela própria matéria e suas leis. Em sentido contrário, o fisicalismo não‑redutor pretende superar este tipo de visão pela defesa da existência de um nível ontológico superveniente à matéria, mas sem invocar qualquer tipo de dualismo.
Tal perspectiva considera que, pelo menos algumas propriedades de um nível mais elevado, em particular as propriedades cognitivas e/ou psicológicas, formam um domínio autónomo e irredutível ao físico. Isto significa que a psicologia é uma ciência especial cujo objecto é investigar as relações envolvidas nessas alegadamente irredutíveis propriedades e explicá‑las nos seus próprios termos. Desta forma, tais leis e explicações não poderão ser formuladas em termos puramente físicos. Por conseguinte, tal doutrina defende a autonomia da psicologia e, de uma forma genérica, a autonomia das ciências especiais em relação à física de base.

Neste contexto, frequentemente é evocada a noção de “emergência”, que é o processo de derivar novas e coerentes estruturas, padrões ou propriedades (em especial a consciência e a intencionalidade) de um sistema complexo. Os fenómenos emergentes ocorrem devido ao padrão de interacções entre os elementos de um sistema ao largo do tempo. Tais fenómenos são normalmente imprevistos, são o resultado não esperado de interacções relativamente simples entre componentes também relativamente simples. Neste sentido, o que distingue um sistema complexo de um meramente complicado é que os padrões de funcionamento e os comportamentos de um sistema complexo emergem como o resultado das relações de elementos menos complexos e, até, elementares. Assim, as características emergentes surgem quando um número de entidades simples, ou agentes, operando em conjunto, manifestam comportamentos mais complexos, fazendo com que um sistema composto de elementos mais simples produza propriedades que as suas partes constituintes em si não possuem. Para complicar ainda mais, estas novas propriedades aparentemente possuem poderes causais sobre o que as rodeia e, por vezes, sobre os seus próprios elementos de base.

Um exemplo de emergência é o da água (H2O). A água pode encontrar‑se macroscopicamente em diferentes estados físicos (sólido, líquido e gasoso), mas as moléculas que a constituem (o hidrogénio e o oxigénio) não possuem tais propriedades. O comportamento complexo ou as propriedades emergentes não são uma característica dos agentes considerados individualmente, nem podem ser, normalmente, preditos ou deduzidos do comportamento das entidades mais baixas de tal hierarquia. É a partir da organização e da interdependência entre as várias moléculas que constituem a água que a emergência de tais características acontece, ainda que não sejam compartilhadas por nenhum dos gases isoladamente, mas surgem porque passaram a pertencer a um sistema de um nível hierárquico superior: o da água.

O número e a subtileza destas propriedades pode ser, por conseguinte, muito maior à medida que se aumente o número de agentes. É o que acontece quanto ao número de modos com que podemos empilhar objectos num determinado local, o número de modos aumenta exponencialmente se formos aumentando o número de objectos. Por sua vez, as propriedades emergentes podem surgir não apenas entre as partes simples de um sistema, mas também entre propriedades já de si emergentes, elevando a complexidade, porventura, para além da capacidade do intelecto humano.

De acordo com esta visão emergentista e sistémica, pode dizer‑se que a mente emerge das conexões entre os neurónios e, desde uma tal perspectiva, não é necessário pressupor a existência de uma “alma” para explicar o facto de um cérebro poder ser inteligente, mesmo que os neurónios considerados isoladamente não o sejam. Embora a mente (como a inteligência e a auto‑consciência) seja um processo acrescido dos processos cerebrais, não existe fora da nossa membrana, que é a pele. Ou seja, não é uma substância que existe “lá fora”, como em Descartes, onde tem uma substancialidade à parte.

O problema parece surgir quando tais propriedades sistémicas ou emergentes parecem ganhar vida própria, passando, aparentemente, a ter um estranho controlo ou poder causal sobre as suas partes constituintes.

É sobre estes e outros aspectos que procuraremos reflectir na palestra do próximo dia 27.

[1]Que não procurou “negar” a existência dos estados mentais, antes desejou aplicar os cânones da ciência, isto é, os ideais de previsibilidade e controlabilidade, na consideração dos eventos privados, no sentido de tornar científico e sistemático o projecto de pesquisa da conduta humana.
[2]Que influenciou a posição behaviorista na medida em que o significado de uma sentença estaria ligado ao exame das circunstâncias observáveis, o que levaria a verificar a validade de uma sentença proferida.
[3]Cfr. Steven Marcus (Ed.), Neuroethics: Mapping the Field (San Francisco: Dana Foundation, 2002).
[4]As investigações de Lavoisier, completando os trabalhos de Priestley e Cavendish, destronaram a teoria do flogístico ou flogisto, interpretando correctamente calcinações, combustões e outras reacções de oxidação, lançando deste modo os fundamentos da análise orgânica quantitativa. As suas teorias tornaram‑se conhecidas através do Traité Élementaire de Chimie, publicado em 1789.
[5]Cfr. Paul Churchland, Matter and Consciousness, p. 43.
[6]Cfr. Francis Crick, A Hipótese Espantosa: A Busca Científica da Alma (Lisboa: Instituto Piaget, 2000).
[7]Patricia Churchland, “Can Neurobiology Teach Us Anything About Consciousness?”, in Harold Morowitz; Jerome Singer (Eds.), The Mind, The Brain, and Complex Adaptive Systems (Reading: Addison‑Wesley, 1995), pp. 99‑121.
[8]Por vezes chamado de “dualismo de propriedades” (cfr. Jaegwon Kim, “Physicalism”, in Robert Wilson; Frank Keil (Eds.), The MIT Encyclopedia of the Cognitive Sciences, p. 645).

terça-feira, 5 de fevereiro de 2008

'este mundo e o outro'

O encontro sobre o dualismo 'este mundo e o outro' não terá lugar na próxima quarta-feira, 6 de Fevereiro, mas em data a ser anunciada posteriormente.

domingo, 27 de janeiro de 2008

natural-sobrenatural

Na próxima quarta-feira, 30 de Janeiro, realiza-se às 18h mais um encontro de debate sobre 'estes dualismos que nos perseguem'. Desta vez, João Duque, docente da Faculdade de Teologia, abordará o dualismo 'natural-sobrenatural'.



O termos em análise devem tomar-se, antes de tudo, como adjectivos. Mas que adjectivam eles, afinal? Poderíamos falar em vida natural e em vida sobrenatural. Ou, talvez melhor e de modo mais abrangente, em mundo natural e mundo sobrenatural.

Mas o que são esses mundos? O que é um mundo, afinal? Partindo do pressuposto que um mundo é uma interpretação do real (entendendo aqui «real» como tudo aquilo que, simplesmente, é), então, os adjectivos são qualificações de interpretações do real. Ou então, são duas dimensões de uma determinada interpretação do real – por isso, também, duas dimensões do real (não propriamente duas realidades).

Que significa, então, interpretar o real como natural? Talvez como algo necessário (natural lógico); ou como algo dentro das capacidades da natureza (natural ontológico); ou aquilo que podemos explicar (natural epistemológico).
E o que significa a adjectivação de sobrenatural? A consideração do gratuito, do livre, para além da necessidade; ou a consideração do que vai além das possibilidades de determinada natureza; ou então, o inexplicável e inacessível ao conhecimento (mesmo, num desvio estranho mas frequente, o «oculto»).

Mas que necessidade natural ou que natureza origina a natureza? Será o mundo naturalmente natural? E onde se dá – fenomenicamente – o mundo sobrenatural? Dentro ou fora do natural? Não será o mundo naturalmente sobrenatural e sobrenaturalmente natural?

Mas não será possível, mesmo legítimo, interpretar o mundo apenas naturalmente? E mesmo que consigamos uma perfeita simbiose das duas dimensões, porquê a sua utilização, então? Mesmo que abandonemos uma posição dualista ou separatista, que pudesse identificar esses dois mundos como realidades independentemente subsistentes, fará ainda sentido utilizar a distinção entre dimensão natural e dimensão sobrenatural do mundo? Fará sentido, mesmo lógico, falar em natureza sobrenatural ou em sobrenatureza natural? Devemos, então, abandonar esses adjectivos clássicos da teologia e da filosofia, ou farão ainda algum sentido? Ou não resultam esses problemas da ausência de um pensamento analógico, que funciona mais em termos de univocidade e de equivocidade?

Para repensar a questão, talvez ajude introduzir as noções de secularização e de imanentismo. Qual o significado da distinção natural-sobrenatural, perante as realidades albergadas nessas noções?
João Duque

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

natureza-graça

Na próxima quarta-feira, 23 de Janeiro, às 18h, terá lugar na Faculdade de Filosofia, sala 3.1, o debate orientado por Manuel Sumares em torno do dualismo 'natureza-graça'.

O seguinte texto lança desde já o debate.



“We imagine that the gratuitous needs to be contrasted with the obligatory or the inherent; yet this only applies to the interactions between beings in the ontic realm. In the realm of the ontological difference, of the creative emergence of entia from esse, gratuity arises before necessity or obligation and does not require this contrast in order to be comprehensible. The creature is not the recipient of a gift; it is this gift.”

--- John Milbank, The Suspended Middle: Henri de Lubac and the Debate Concerning the Supernatural, p. 43.

O ponto de partida para a nossa reflexão:

“p” is true iff p in w/t
“p”= “creation is always/ already graced”
p = creation is always/ already graced (or “gifted”)
w= world
t= time
Hence, “Creation is always/ already graced” is true if and only if creation is effectively always/ already graced in a determinate world and within a determinate timeframe.

domingo, 13 de janeiro de 2008

Inconsciente – consciente

No próximo dia 16 de Janeiro, às 18h – sala 3.1
José António Alves abordará o dualismo 'consciente-inconsciente'
Este texto lança desde já o debate

A Consciência apresenta-se, depois de Descartes, como a propriedade essencial da mente humana. Trata-se de uma propriedade que todas as propriedades devem ter para ser consideradas de propriedades mentais. Por exemplo, o pensamento só é propriedade mental enquanto pensamento consciente. Tanto Descartes como outros pensadores não se preocupam em fazer uma análise da consciência, pois esta apresenta-se-lhes como sendo uma propriedade cuja natureza se manifesta na experiência. Outro aspecto que Descartes focaliza é o factor unificador da consciência, reunindo os estados mentais num único local denominado de Ego. Assim, para Descartes, a consciência é a base da certeza. A consciência é a luz que ilumina tudo que cai sobre a sua alçada.

A esta posição de Descartes opôs-se Leibniz falando de percepções e pensamentos inconscientes. Leibniz desfaz a igualdade de Descartes segundo a qual a mente era igual à consciência. Deste modo, contra as ideias vigentes na época, abriu espaço à ideia de que processos inconscientes afectavam a formação de pensamentos, julgamentos e tomadas de decisões. Ora este modo de pensar não podia estar mais contra o século da razão e a ideia de que o ser humano tudo controla.
Focalizo estes dois autores, Descartes e Leibniz, porque são os dois pensadores que se pode considerar estarem na origem dos dois conceitos que se contrapõem nesta apresentação: consciente e inconsciente.
E o que é que está em contraposição? Apenas dois conceitos? Duas visões de mundo? Dois substantivos ou dois adjectivos? Serão duas realidades claramente separadas? Que papel desempenham na vida humana? Esboçam, os dois conceitos, um dualismo que nos persegue positiva ou negativamente ou não há dualismo nenhum?

Para a apresentação não se perder no meio das múltiplas possibilidades de abordar esta temática, baixa-se o enfoque sobre a acção humana.
Estudos empíricos sobre a consciência humana têm mostrado dados curiosos. Um desses estudos é o do neurocientista americano Benjamin Libet.
A consciência, como muito bem viu Descartes, evidencia-se como uma das coisas de que mais o ser humano é certo. Mais, a certeza da consciência é de que tudo se experimenta imediatamente no seu espaço diáfano. Quer a experiência diga respeito à percepção, quer a experiência diga respeito à vontade de querer agir, acontece sempre aqui e agora.

Na década de 1950, Benjamin Libet desenvolveu uma investigação sobre a consciência humana da qual concluiu que a consciência humana está meio segundo atrasada em relação à ocorrência dos estímulos do sistema nervoso. Concluiu que a experiência consciente não é imediata. Mas mais que isso. Em estudos subsequentes, sobre a liberdade humana, veio a concluir que antes do ser humano tomar consciência da vontade de querer agir já o cérebro desencadeara os processos cerebrais associados a determinada acção.

Será a consciência uma mera ilusão? As acções e decisões, que parecem conscientes, no fundo serão meros processos inconscientes? Quem realmente controla o ser humano, a consciência ou o inconsciente?

O inconsciente foi um conceito que demorou a conquistar o seu espaço na cena intelectual. Contudo, desde que Leibniz o trouxe à luz do pensamento, tem sido um conceito em franco desenvolvimento. Inclusive, não se exagerará muito ao dizer que tem tomado o lugar que a consciência teve. São muitos os estudos no âmbito das ciências cognitivas que apresentam a tese da ilusão da consciência para afirmarem a força dos mecanismos inconscientes da mente humana. E até se afirma, concretamente o psicólogo Julian Jaynes, que a consciência é um fenómeno recente na história do homo sapiens. Data apenas de, mais ou menos, há 2500 anos. Encontrar-se-á na Ilíada os seus primeiros vestígios. Parece que quanto mais se estuda o assunto mais se sublinha esta tendência de valorizar o inconsciente em detrimento do consciente.
Tem havido modos diferentes de conceber o inconsciente. Desde o romantismo que sublinhava a agência independente dentro da mente capaz de criar obras de arte de se organizar numa identidade, a uma versão mais mecanicista, segundo a qual a mente humana é regida por mecanismos inconscientes que funcionam através de processos impessoais e desinteressados, até à versão do incontornável Freud para quem o inconsciente é a verdadeira realidade psíquica.
Porém perguntar-se-á: se o interessante é o inconsciente e a consciência é uma ilusão, porque a é de um modo tão constante e tão espalhado pela humanidade? Se é possível explicar o comportamento sem a consciência, porque estará ela sempre presente? Qual será o seu papel? Se os processos inconscientes parecem ter tanto espaço e tanta eficiência, porque se deu a natureza ao trabalho de colocar na espécie humana a consciência?
A defesa do automatismo sugere que a perfeição nada tem a ver com sermos conscientes. Sabemos que há órgãos que perderam a função orgânica do passado. No entanto, porque razão a consciência, na mesma linha da defesa do automatismo, nunca teve, não tem e nem mostra probabilidades de vir a ter alguma função?

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Faculdade de Filosofia
Projecto de Investigação Epistemic studies (2007-2010)
Seminário: “Estes dualismos que nos perseguem”
2007-2008

Calendarização

Novembro 7: Alfredo Dinis: corpo-alma
Novembro 21: Pedro Cruz: verdade-mentira
Dezembro 12: Artur Galvão: racional-irracional
Janeiro 16: José António: consciente-inconsciente
Janeiro 23: Manuel Sumares: natureza-graça
Janeiro 30: João Duque: natural-sobrenatural
Fevereiro 6: Joana Sá Ferreira: este mundo e o outro
Fevereiro 27: João Carlos Major: mente-cérebro
Março 5: Susana Moreira: ensinar/aprender
Março 12: Manuel Curado: a bruxa e o Inquisidor
Abril 2: Francisco Teixeira: Deus e o diabo
Abril 9: M. Fátima Lobo: homem-mulher
Abril 16: José Henrique: bem-mal
Abril 23: Roque Cabral: indivíduo-sociedade
Abril 30: J. M. Dias Costa: sagrado-profano
Maio 7: J. R. Costa Pinto: imanência-transcendência
Maio 14: Álvaro Balsas: tempo-eternidade
Maio 21: Ângela Azevedo: cognição-emoção
Maio 28: Carlos Morais: belo-bruto
Junho 4: António Fonseca: jovem-idoso